Confira o artigo "Desenvolvimento urbano integrado – Uma chamada para uma mudança do paradigma"

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Só uma mudança do paradigma do desenvolvimento urbano vai poder contribuir significativamente para a redução de desigualdades e o aumento da nossa resiliência para as crises do futuro.

 

No momento que entramos na escola, aprendemos que há diferentes matérias para explicar o que estamos vendo e vivenciando no mundo. Começamos a organizar o conhecimento que ganhamos em caixinhas para simplificar e nos orientar em realidades complexas. Na adolescência já nos diferenciamos em pessoas que são boas em matemática, em física, línguas ou história. 

A nossa forma de pensar e analisar, diferente da nossa forma de sentir e experimentar, é organizada desde cedo em matérias, setores e disciplinas. As nossas ferramentas metodológicas e as definições e conceitos que usamos surgem de uma lógica setorial, e esse fenômeno também se aplica para o nosso olhar para as cidades.

Mesmo reconhecendo os grandes avanços que a mobilidade urbana, a habitação social ou o saneamento básico trouxeram para a nossa vida, eu ainda fico com uma certa ansiedade olhando para as cidades de hoje. Elas são marcadas por uma desigualdade profunda e não estão preparadas para os desafios que a mudança do clima já está causando. Como pode ser que mesmo com investimentos significativos e décadas de trabalho de pesquisa, atuação do setor público e ONGs, parece que não conseguimos resolver as grandes dificuldades no chão urbano? 

Para mim a resposta principal está na falta da integração das várias peças que compõem a nossa cidade. Só uma mudança do paradigma do desenvolvimento urbano vai poder contribuir significativamente para a redução de desigualdades e o aumento da nossa resiliência para as crises do futuro. 

Mas o que significa integração? O que é esse desenvolvimento urbano integrado?

A maioria das definições podem ser resumidas em três áreas de integração: (1) a integração de setores, (2) a integração de atores e finalmente (3) a integração territorial.

A integração de setores se refere aos vínculos entre setores relevantes para as nossas cidades como habitação, saneamento, mobilidade, energia, educação, saúde ou infraestrutura digital. Poupamos os nossos recursos se abrimos as ruas só uma vez para consertar um tubo de esgoto, colocar fibra ótica e construir uma ciclovia. A integração de atores inclui a integração horizontal entre o setor público, a sociedade civil, a academia, o setor privado e outros atores relevantes nas nossas cidades. Isso vai além da construção de Parcerias Públicas Privadas e olhar para formas colaborativas de planejamento, operação de serviços, e implementação de soluções. Em pequenos municípios em vários países, infraestruturas sociais como centros de juventude, livrarias ou parques públicos só podiam sobreviver por arranjos cooperativos de propriedade e gestão. Em países federativos como o Brasil a integração vertical entre os atores no nível local, estadual, regional e nacional é igualmente importante.

A integração territorial entende a cidade na conexão entre o urbano e o rural como parte da rede de cidades e arranjos populacionais. 

Esses três aspectos da integração devem se refletir não somente no desenho de projetos e programas públicos. Também é preciso começar com essa abordagem na identificação e formulação da problemática para a qual buscamos soluções. A maneira como formulamos as problemáticas é a base para o desenho de um caminho integrado. Faz diferença se definimos a problemática como “na cidade faltam ciclovias” ou “a maioria das pessoas da cidade não tem acesso a um modo seguro e econômico para se mover na cidade”. 

A peça principal para realizar um desenvolvimento urbano mais integrado é a organização das nossas instituições, nosso processo de trabalho e finalmente a nossa postura individual. A cooperação e o pensar fora da caixinha precisam ser incentivados e reconhecidos. Alguma vez você imaginou como seriam as prefeituras com secretarias organizadas por territórios ou por problemáticas em vez de setores? Alguma vez imaginou como as secretarias e Ministérios responsáveis pelo desenvolvimento urbano poderiam ser chamados no âmbito de um paradigma integrado? 

Essas ideias podem parecer impossíveis e até gerar desconforto, mas isso faz parte do processo de pensar fora da caixinha, não é?

 

– artigo escrito por Sarah Habersack, Coordenadora da Transformação Urbana da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, e diretora do Projeto ANDUS.

Publicado no Portal Connected Smart Cities